quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Inventem-se novos pais!

Após um início algo simples, onde as únicas tarefas são educar a dormir e a comer, eis que surge aquela que será, provavelmente, a fase mais importante e mais difícil dentro da primeira infância. Entre o ano de idade e os dois anos (dependendo de cada criança, como tudo isto do crescimento), surge aquela fase por vezes denominada de primeira adolescência. Normalmente coincide com a fase em que a criança começa a mover-se pela casa, seja de gatas ou já de pé, tendo um raio de acção maior. Aqui, deixa de ser um ser passivo imóvel, passando a ser um ser activo que, progressivamente, chega a todo lado. É nesta fase que florescem os chamados destruidores de telemóveis e comandos de televisão. Também neste caso, fartei-me de ouvir a sorte que tínhamos, pois a nossa Alice não mexia nos comandos de televisão, nem nos telemóveis, nem em todos os objectos que estavam ao seu alcance nos quais não estava apta a mexer. Isto, apesar de todos estes objectos terem mantido o seu lugar original, anterior ao aparecimento da Alice.
Em relação a este ponto específico, o educar as crianças no que concerne aos objectos nos quais podem ou não mexer, muita coisa pode ser dita. Conheci casos de casais que escolheram retirar os objectos do alcance da criança, para evitar que ela mexesse nos mesmos. Inicialmente parecia um bom plano, mas teve alguns maus resultados. Primeiro, não se podem manter todos os objectos em locais inacessíveis às crianças, pois estas crescem e, progressivamente, todos os locais inacessíveis perdem essa qualidade. Mais tarde, não estando as crianças já educadas neste ponto, o trabalho é muito maior, pois quanto mais velhos, mais difícil é inculcar aprendizagens nas crianças, acho eu. Por outro lado, mais tarde ou mais cedo, os casais saem de casa com as crianças, seja para outras casas, seja para outro local qualquer onde existem objectos nos quais os pequenos não poderão mexer. Como não lhes foi facultada esta aprendizagem, facilmente se pode adivinhar o resultado. Tendo em conta todos estes factores, penso poder concluir que esta é, regra geral, uma má opção.
O maior erro que, por vezes, observo neste ponto específico da educação das crianças é o de acreditar que ainda são pequeninos, que não entendem. O pior que se pode fazer é subestimar as capacidades das crianças. Quando pensam que a criança já tem a idade suficiente para aprender, eis que já é tarde de mais, pois a criança, grande parte das vezes, já aprendeu exactamente o contrário daquilo que seria necessário ter aprendido. E, acontecido tal facto, para a criança não é uma simples nova aprendizagem, mas a perda de direitos já adquiridos. Por exemplo, é difícil que uma criança compreenda que não pode mexer no telemóvel, quando até então tal lhe era permitido sem qualquer problema.
Poderíamos, por outro lado, pensar que tais aprendizagens se tornam desnecessárias, pois mais tarde eles saberão usar todos os objectos em causa sem os danificar, logo, é uma questão de ter paciência durante, no máximo, dois anos, e que o problema em causa cessa. No entanto, neste caso, a liberdade dos pais em sair com os filhos para algum lado diminui, pois torna-se desagradável estar num local estranho onde os nossos filhos mexem em tudo perante o olhar chocado e reprovador dos restantes adultos. Assim, observam-se hoje muitos casais que praticamente não saem com os seus filhos, remetendo-se aos seus lares ou arranjando quem fique com eles para que possam sair. Nem vou perder tempo a dissertar sobre os malefícios de tais costumes, seja para o núcleo familiar, seja, sobretudo, para as crianças em causa. Tenho um maior respeito por aqueles casais que, apesar de manifestamente terem falhado na educação dos seus filhos em relação ao ponto em causa, saem com os seus filhos, nunca deixando de ir seja para onde for devido ao facto dos seus educandos demonstrarem os comportamentos acima citados. No entanto, por norma, estas saídas mostram-se esgotantes para os pais, pois estes têm que estar constantemente “em cima” dos seus filhos, resolvendo os problemas por eles criados e ralhando com os mesmos. Por outro lado, para quem priva com estes casais, essas situações são, normalmente, igualmente enervantes e esgotantes. E, infelizmente, perante tais factos, muitos pais optam por fazer de conta que não vêm o que os seus filhos estão a fazer de errado, para terem um minuto de descanso. Tendo em conta tudo isto, podíamos quase concluir que, se nos mantivéssemos em casa com os nossos filhos, o maior tempo possível, nesta fase do seus crescimento, poderíamos permitir-lhes mexer em todos aqueles objectos, pois com o tempo esse problema cessaria, e ninguém sairia prejudicado, era uma simples questão de paciência. Pessoalmente, por muito que muita gente queira acreditar em tal facto, discordo com o mesmo em completo, senão vejamos. Neste caso, das duas uma: ou ralhamos com os nossos educandos quando eles mexem onde não devem, mas não os castigamos se o continuarem a fazer, mostrando-lhes, porém, que o comportamento está errado; ou deixamos que eles mexam em tudo à sua vontade, não ralhando. Não sei qual das opções poderá produzir mais estragos. Na primeira está em causa a noção de autoridade. Não é por acaso que muitas crianças, hoje em dia, têm dificuldade em lidar com a autoridade sobre elas exercida (para exemplificar este facto, de forma extrema, posso usar os alunos de uma turma da minha cara-metade, que lhe disseram que quem obedece são os cães, não é suposto usar tal palavra nos seres humanos, tendo a minha rapariga, perante tal facto, reflectido com os alunos sobre a noção de autoridade e obediência). Quando uma criança com pouco mais de um ano, mexe onde quer, os pais ralham por isso, mas é-lhe permitido continuar a fazê-lo sem qualquer tipo de consequência, que aprendizagem poderá obter essa criança com tal facto? É uma porta aberta para a total falência da autoridade dos pais que, a partir desse ponto, ir-se-á diminuindo, até ao ponto em que se sente que quem detém a autoridade é essa mesma criança, que é ela quem decide tudo na sua vida (e na dos pais!), sem que tenha qualquer maturidade para tal. No segundo caso, em que não se ralha com as crianças, não recriminando o acto, a questão da autoridade não fica beliscada, mas acredito poder surgir outro problema, que poderá ser mais complicado de suavizar: a noção de propriedade. Uma criança que pode mexer sempre em tudo aquilo que quer, poderá sentir que tudo lhe pertence (ideia filosoficamente interessante, mas na prática incómoda), o que, fora de casa, se transforma num problema. Para além dos danos que possa causar nos pertences dos seus pais, tentemos imaginar um criança assim educada em casa de conhecidos ou estranhos.
Tendo em conta todos estes factos já apontados, espero, o mais breve possível, reflectir e escrever, num texto posterior, sobre o que aconteceu connosco e com os nossos filhos. Até lá, espero contribuições para esta reflexão, seja a reforçar o que escrevi até agora, seja a refutar esses mesmos argumentos.

André pacheco


FONTE: EDUCAPORTUGAL

POSTADO POR: VANESSA RORIZ

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